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"Falta diálogo entre as chefias do INEM e dos bombeiros" |
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Ninguém arriscava classificá-lo como perfeito. Mas as falhas no sistema de emergência pré-hospitalar que vieram a público nas últimas semanas lançaram uma nuvem de suspeição sobre o socorro prestado pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e pelos corpos de bombeiros. Um caos que levou até a nova ministra da Saúde a afastar o presidente do INEM. No dia em que ficou o conhecido o substituto de Cunha Ribeiro - o coronel Abílio Gomes -, o DN ouviu Vítor Almeida, presidente da Associação Portuguesa de Medicina de Emergência, que acusa os responsáveis de arrogância e falta de sensibilidade. Pois, diz, no terreno, a colaboração dos técnicos é "indiscutível". A bem do País, pois sem ela não seria possível salvar tantas vidas.
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Assistimos nos últimos dias a falhas graves no serviço de emergência. Como se justificam e quais as maiores fragilidades deste sistema?
Vítor Almeida diz que falhas como as que ocorreram, por exemplo, em Alijó, são inaceitáveis, embora não sejam representativas da realidade. E derivam da descoordenação que reina no sector, acrescenta. "O problema é que temos duas centrais de emergência: os centros de operações de doentes urgentes e os centros de operações de socorro da protecção civil. E não há uma rede de comunicação única para todos os intervenientes", diz, recordando o prometido SIRESP - Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal - que tarda em chegar. Na prática, as duas estruturas comunicam internamente -INEM e bombeiros - mas não comunicam eficazmente uma com a outra, sendo impossível saber quantos meios há e onde estão disponíveis. "Não falam através da mesma rede de comunicação e, às vezes, quando os bombeiros querem combinar um encontro com a equipa do INEM têm de pegar no telemóvel e ficar sujeitos à cobertura de rede, que nem sempre funciona." Na opinião da Associação a que preside, devia haver apenas um espaço físico destas duas estruturas a nível distrital. Contudo, realça, a emergência deve continuar sob a alçada do INEM e este do Ministério da Saúde.
Mas isso não justifica, por si, todas as falhas do sistema...
Há falhas de ambos os lados, não hesita em reconhecer este médico anestesista que trabalha no Hospital de Viseu. E muito caminho a percorrer, acrescenta. Actualmente, os técnicos de ambulância não podem praticar qualquer acto médico, como reanimar um doente ou administrar um fármaco. Depois, por outro lado, há algumas viaturas medicalizadas como as VMER (viaturas médicas de emergência e reanimação) que estão pontualmente paradas à porta dos hospitais porque não há médicos disponíveis para andar na rua. "Embora não haja falta de médicos para esta actividade", sublinha Vítor Almeida, "alguns hospitais preferem ter esses médicos disponíveis internamente do que libertá-los para socorrer vítimas no exterior", recusando-se a cumprir o protocolo que assinaram com o INEM. "Sabemos que não podemos ter um médico em cada esquina. Têm é de ser definidas prioridades", considera. Vítor Almeida diz que uma delas passa por criar a especialidade médica de emergência/urgência. Do lado dos bombeiros, as coisas também nem sempre correm bem. Vítor Almeida lembra que, para cumprir a lei, as ambulâncias de socorro têm de ser operadas por duas pessoas, uma das quais com o curso de tripulante de ambulância. "Mas nem sempre isso acontece. Há casos em que o transporte de doentes se faz apenas com uma pessoa na ambulância. O que é grave", reitera. Dificuldades que levam a Associação Portuguesa de Medicina de Emergência a exigir investimento na formação. "Deve-se apostar na carreira de técnico de emergência e na formação de técnicos para permitir um nível de actuação intermédio e mais diferenciado". Ou seja, é preciso haver pessoas habilitadas a fazer outros actos que ajudem a estabilizar o doente até chegar ao hospital, sempre debaixo de supervisão médica. Vítor Almeida considera ainda que é essencial e urgente definir na lei que o cidadão tem direito ao acesso ao socorro em tempo útil. "Isto tem de estar consagrado na lei de modo a que a organização do sistema de emergência permita dar uma resposta equitativa, seja a um cidadão de Lisboa ou de uma aldeia do interior". A consagração deste direito na lei permitiria ainda, na opinião do médico, "despolitizar a emergência". E impediria que cada presidente do INEM fizesse as coisas à sua maneira. Fenómeno que tem acontecido, afirma Vítor Almeida, que aproveita a saída de Cunha Ribeiro para saudar a sua actuação.
Se estas fragilidades são de ambos os lados, porque se torna tão difícil sentar todos à mesma mesa e desenhar uma solução conjunta?
Ao contrário do que se diz, no terreno a colaboração entre bombeiros e INEM é "indiscutível", diz Vítor Almeida. Os intervenientes do socorro colaboram bem e reconhecem a mais valia da medicalização do socorro. "O que há é falta de diálogo das chefias", acusa o médico, lançando críticas a ambos os lados. "O INEM assumiu algum autismo e arrogância perante os bombeiros. Mas estes também devem assegurar a sua missão e não podem apontar o dedo ao INEM sempre que as coisas não correm bem." Antes de fazerem esse juízo, acrescenta, "os bombeiros têm de ser obrigados a arrumar a casa", afirma o médico. No entanto, Vítor Almeida acredita que o que diz ser um "problema de falta de sensibilidade dos bombeiros na área da emergência" se deve também a condicionantes económicas. Um argumento, aliás, que tem sido apresentado recorrentemente pela Liga dos Bombeiros Portugueses. E perante o qual os responsáveis do INEM respondem que, mesmo quando não há um acordo previamente estabelecido entre o instituto e as corporações, o serviço é remunerado. Perante tanta matéria delicada, diz Vítor Almeida, resta esperar que o novo presidente traga para a discussão um INEM "forte e dialogante". |
Autor: José Palha |
Publicado em: 17-02-2008 14:48:45 (1949 Leituras, Votos 431) |
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