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Como os homens do socorro têm de evitar as emoções |
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Apesar de não existirem muitos acidentes em Portugal envolvendo um tão elevado número de vítimas mortais, a Protecção Civil tem planos de contingência preparados para quase todos os cenários, mesmo os mais imprevisíveis. "Prevenir, prever, actuar, socorrer. Este é o nosso trabalho", explica o comandante Rui Esteves da Protecção Civil de Castelo Branco, que chefiou as operações no terreno na trágica noite de segunda-feira. |
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seu lado, Joaquim Chambel, homólogo de Santarém, garante que o plano traçado para este tipo de catástrofes de imediato foi accionado, deslocando-se homens e meios para o local. "Sabe que estas situações, embora não com esta dimensão, já nos habituaram os sentidos. Temos de manter o profissionalismo porque estão vidas em jogo", conta apressado, deixando escapar o olhar, para o fundo da ravina, iluminada pelos grandes holofotes colocados num local demasiado escuro. A cor da desgraça.
O DN assiste ao lado destes homens da todas a operação de resgate. Profissional. Imune à dor. Poucos minutos antes das 20 horas, "o dia até estava a ser calmo", conta um bombeiro de Castelo Branco. "Depois, bem... os telefones começaram a tocar, reunimos muito rapidamente e corremos para cá", prossegue. De repente, nascia assim uma maré de pirilampos azuis que inundou quinhentos metros de auto-estrada encerrada. Sirenes histéricas, correria louca dos primeiros homens a chegar ao local.
Grupos de bombeiros descem a ravina, ainda não sabem bem o que os espera. Ouvem-se gritos desesperantes. Cá atrás desmontam-se as macas, dezenas delas são dispostas, esperando os corpos que começam a ser desencarcerados. Grita-se muito, agitam-se as comunicações via rádio, multiplicam-se os contactos com os hospitais. A tensão toma conta dos rostos.
Começam a pairar os helicópteros do INEM. Abafam todos os sons e confirmam que a operação está a decorrer dentro dos planos. Levam de imediato os dois feridos mais graves para o Hospital S. Francisco Xavier, em Lisboa. Entretanto, no centro de comando da Protecção Civil no local, o telefone não pára. Rui Esteves vai recebendo as indicações dos hospitais, distribuindo quem está bem, muito poucos, quem está mal, bastantes, e quem já não está entre nós. As paredes do centro da grande carrinha operacional estão cheias de quadros brancos escritos à mão, que se vão preenchendo com os números da tragédia. Feridos ligeiros, graves e mortos. Assim, frios como a matemática, e como a realidade que se ia desenrolando.
"O Hospital de Castelo Branco já está pelas costuras", grita um bombeiro de longe. Ambulâncias encaminham-se também para o da Covilhã. "Faz parte do plano traçado diversificar os pontos de distribuição dos feridos para não sobrecarregar os serviços", explica Rui Esteves.
O tempo vai passando. Perto das 10 da noite, duas horas depois da chegada ao local, quase todos os acidentados já estavam encaminhados. Faltavam ainda os desencarceramentos mais complicados. Rui Manuel, bombeiro de Santarém, participou na operação. "Sabe que é sempre complicado isto, por muito que se treine, é diferente, são vidas e são frágeis, tanto que qualquer pormenor, qualquer minuto pode fazer toda a diferença e estes são os casos mais complicados porque estão presos. O que devo esperar quando descer?! Sinceramente não conto encontrá-los com vida... Mas vamos ver". Não encontrou.
Já não restam passageiros a quem acudir. Chegam os homens do Núcleo de Investigação Criminal da BT. Começam as medições que terminariam madrugada dentro. "Temos de apurar o que se passou, para já apenas temos suposições. Vamos recolher vestígios nos veículos e ver o que encontramos", apressa-se a explicar o responsável da Brigada de Trânsito no local, Correia da Silva. A Protecção Civil continua a trabalhar, agora em colaboração com a polícia que já fez chegar o grande reboque que irá levar o autocarro para o seu último destino logo pela manhã. Já não há ambulâncias apressadas, e pouco depois, os médicos legistas e os investigadores levam as famosas malas "à CSI" lá para baixo para recolher vestígios que permitam explicar a situação "Dantesca", como se ouviu de várias bocas, durante longas horas, até ao final da noite. Ou seria já manhã.|
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Autor: José Palha |
Publicado em: 07-11-2007 14:23:08 (2020 Leituras, Votos 430) |
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