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Clima tem pouca culpa dos fogos |
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A nível planetário, os incêndios florestais dão o seu contributo para o aquecimento global, ao emitirem gases com efeito de estufa. Mas as vagas de incêndios em Portugal e a gravidade que elas assumem não têm as mudanças climáticas como as grandes culpadas. Assim pensam dois cientistas que o JN ouviu e cujos conhecimentos poderão dar aqui resposta a muitos comentários ouvidos em tom de queixume e quase inevitabilidade sempre que o país fica em chamas.
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As mudanças climáticas afectam a frequência dos incêndios e as alterações nos regimes de fogo poderão influenciar o clima, sobretudo nas regiões boreais, com solos de turfa, que são grandes reservatórios de carbono. Esta é a convicção científica de José Cardoso Pereira, especialista em climatologia do fogo, que lembra ser naquelas regiões do Alasca, Norte do Canadá e da Sibéria onde se tem registado maior aquecimento da atmosfera. "À medida que tal situação progride, essas zonas, que retinham dióxido de carbono (CO2), passam a emiti-lo, reforçando o efeito de estufa", afirma o investigador.
Faz notar o mesmo cientista do Instituto Nacional de Agronomia que os dados dos últimos 50 anos mostram uma oscilação de CO2, registando-se picos de concentração deste gás causador do efeito de estufa nos anos do fenómeno El Niño. A maior parte desse acréscimo de concentração, afirma, "deve-se mais aos fogos do que ao acréscimo da actividade industrial". Os fogos tropicais, particularmente os da Amazónia e da Ásia, dão um enorme contributo à concentração de gases com efeito de estufa, assegura.
De forma indirecta, Portugal poderá sofrer os efeitos destas situações com impactos mais que regionais. Mas, eventualmente, não serão as alterações climáticas as responsáveis pelos incêndios florestais no nosso território. O climatologista Carlos da Câmara considera que "o problema reside na demografia, que tornou mais visível um fenómeno que era combatido logo pela presença humana". Concede que os fogos têm influência nas alterações climáticas, ao provocarem o efeito de estufa e empobrecerem solos e vegetação. Mas não defende a tese de que os nossos fogos resultem de alterações climáticas.
Este investigador do Centro Geofísico da Universidade de Lisboa considera também que as secas que ciclicamente assolam Portugal "nada têm a ver com alterações climáticas", correspondendo, isso sim, a uma variabilidade climática própria da nossa localização geográfica. Ainda para Carlos da Câmara, "as alterações climáticas são uma óptima desculpa para o infortúnio da nossa actuação colectiva". E adverte "Tudo se conjuga na realidade socioeconómica para que os anos vindouros sejam piores". Diz mesmo que "quando são necessários aviões é porque falhou a política preventiva" e lamenta que o nosso ciclo hidrológico, com a sua alternância de secas e inundações, quase acompanhe os ciclos governamentais, com o esquecimento ou transitar dos problemas para o Executivo seguinte. "A nossa variabilidade climática tem uma escala que é inapropriada para o poder político", comenta.
O mesmo climatologista explica que os incêndios na floresta portuguesa não estão necessariamente associados a anos de seca é, de resto, em anos com invernos e primaveras mais chuvosos que as florestas criam mais ervas e mato que servirão de combustível. E tudo pode depender também do que chove em determinado ano e do mês em que cessam as chuvas. "Se tivermos um Inverno chuvoso seguido de Primavera seca, o restolho fica bem cedo pronto a arder", exemplifica.
Especialista em dinâmica do clima e no impacto da circulação atmosférica em determinados pontos geográficos, Carlos da Câmara acentua que Portugal deve melhorar a sua capacidade de previsão meteorológica e dos riscos de incêndios, até porque "num cenário com aumento de gases com efeito de estufa diminuirá a precipitação e aumentará a temperatura, sobretudo a mínima". Mais "Admito que em 2020 haverá já mais ondas de calor do que hoje". As temperaturas elevadas, adverte, não são, por si só, um dado suficiente para fazer a prevenção de incêndios, sendo necessário haver também indicações quanto à biomassa disponível no terreno para arder. E, sob este aspecto, Carlos da Câmara considera que o abandono do meio e actividades rurais deixam no terreno um rastilho muito mais potente do que qualquer alteração climática.
"Temos sorte estamos junto ao Atlântico e as condições meteorológicas associadas a incêndios, com predominância dos ventos de Leste, empurram os fumos para o oceano". Esta característica é sublinhada pelo investigador Cardoso Pereira, que lembra, contudo, haver situações, como a de 2003, quando persistiram plumas de fumo sobre parte significativa do país e que foram dispersar-se no Norte europeu. Os padrões de circulação da atmosfera, afirma este especialista, põem-nos também ao abrigo dos fumos gerados noutras regiões, como as tropicais. A influência global é sobretudo observável nas latitudes mais elevadas. Em 2003, fogos na tundra junto ao Pacífico geraram fumos que atravessaram este oceano, o Canadá, o Atlântico, o Norte da Europa e a Rússia, voltando ao ponto de origem em duas semanas.
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Autor: José Palha |
Publicado em: 05-02-2007 17:43:47 (15372 Leituras, Votos 409) |
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