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Seis mortos em fogo criminoso |
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Teve origem criminosa o incêndio florestal que ontem matou um bombeiro português e cinco chilenos em Famalicão da Serra, Guarda. O suspeito – um homem residente no concelho – foi detido pela GNR e é hoje presente a Tribunal às 10h00 para primeiro interrogatório judicial. Responde pela pior tragédia desde que 13 soldados da paz morreram em Águeda há 20 anos. “Foi o inferno aqui”, resumiu Joaquim Rocha, pai da vítima portuguesa.
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Os bombeiros foram cercados pelas chamas e morreram carbonizados, às 14h10, alegadamente após uma rotação de vento. Sérgio Rocha, de 26 anos, pertencia à subsecção de Famalicão dos Bombeiros Voluntários de Gonçalo. Os sapadores florestais chilenos, especialistas na resposta imediata, trabalhavam para uma associação de empresas do sector papeleiro e de celulose, a AFOCELCA.
Também ontem à tarde, noutro local, um bombeiro que combatia o mesmo incêndio sofreu ferimentos, mas sem gravidade.
Enquanto o apoio psicológico às famílias começava a ser disponibilizado na Junta de Freguesia de Famalicão, o Ministério da Administração Interna anunciou a abertura de um inquérito e o ministro António Costa viajou para a Guarda, interrompendo uma visita oficial a Rabat, em Marrocos.
O acidente ocorreu num local de inclinação acentuada e com vento de Leste soprando a baixa intensidade. As chamas subiam a encosta e os bombeiros estavam a construir uma linha de contenção limpa de vegetação (aceiro) quando uma rotação de vento fez propagar o incêndio de forma inesperada. “Só o inquérito vai permitir saber se a equipa estava bem posicionada e se a organização de trabalho foi a mais indicada”, afirmou Gil Martins, comandante operacional nacional, reconhecendo que “alguma coisa não correu bem”.
Os sapadores chilenos tinham sido deixados no local por um helicóptero, um método de deslocação de meios também usado pela GNR que é uma forte aposta no dispositivo de combate para 2006. Quando as condições meteorológicas se alteraram, alguns elementos conseguiram fugir para uma zona de segurança, mas Sérgio Rocha e os bombeiros sul-americanos ficaram cercados e isolados. São as primeiras mortes causadas por incêndios florestais este ano. Em 2005 morreram 19 pessoas.
O alerta para o sinistro surgiu às 12h24 e à hora do acidente havia quatro meios aéreos a operar. As chamas consumiram parte do Parque Natural da Serra da Estrela e chegaram a ameaçar casas em Famalicão, levando a população ao desespero. Às 20h30 o fogo continuava a lavrar em duas frentes com mais de 350 bombeiros e militares mobilizados, levando ao accionamento do plano distrital de emergência no distrito da Guarda.
Durante o dia, equipas da GNR e da Polícia Judiciária estiveram no terreno para investigar a origem dos incêndios que atingiram a região. O trabalho resultou na detenção de um homem na zona de Famalicão da Serra. Tanto a população como os responsáveis pelo combate acreditam que também os restantes sinistros tiveram origem criminosa: “Foram três fogos que nos puseram aqui”, acusou Luís Santos, comandante dos Bombeiros Voluntários da Guarda.
TÉCNICOS QUE TRAVAM O FOGO
Há um ano, depois de ter passado dois meses a acompanhar o trabalho dos bombeiros portugueses no combate às chamas, o comandante dos voluntários chilenos deixou um aviso: em Portugal, o fogo é combatido com muita água e poucas ferramentas.
O alerta resume da melhor forma a filosofia de ataque às chamas dos chilenos, que preferem limpar os terrenos de matéria combustível para travar o avanço do fogo. E a eficácia é tal que os bombeiros chilenos são responsáveis por proteger as manchas florestais das principais empresas de celulose portuguesas.
Os cinco elementos da equipa ‘Celca 3’, que foram encurralados pelo fogo perto de Famalicão, na Guarda, trabalhavam para a AFOCELCA. A identidade dos bombeiros chilenos não foi divulgada e o embaixador do Chile em Lisboa esteve em contacto com o Ministério da Administração Interna. Em 2003, na Chamusca, dois outros bombeiros chilenos da mesma empresa já tinham morrido.
HOMEM DE GRANDES CAUSAS
Sérgio José Bico Rocha, 26 anos, era bombeiro na subsecção de Famalicão da Serra. Voluntário desde há seis anos, “era um grande companheiro e amigo”, segundo descreveram os companheiros de corporação ao ‘Correio da Manhã’. Sérgio Rocha era o mais velho dos três filhos de Joaquim Rocha. “Todos bombeiros e bons rapazes”, diz o pai. “Agora tivemos esta infelicidade”. O orgulho nos filhos acompanha agora um coração destroçado. “Isto hoje é o inferno”, afirmou Joaquim Rocha. “Morreu-me o filho, morreram mais cinco jovens estrangeiros e fico sem os meus pinhais e as minhas videiras... isto é o inferno”, repete.
A mãe do bombeiro falecido – o casal está divorciado há anos – recebeu apoio da equipa de psicólogos e médicos do INEM desde meio da tarde. Com ela, outras seis pessoas, incluindo os irmãos da vítima, tiveram ajuda especializada. Tânia Rebelo, uma amiga, recordou Sérgio como “uma pessoa linda”.
O bombeiro acabou este ano o curso de Música no Politécnico da Guarda e cantou na serenata da semana académica. Também se associou, através da música, a um protesto contra o fecho da maternidade local. “Era um homem de grandes causas, vamos sentir imenso a sua falta”, assegurou outro amigo, Pedro Almeida.
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Autor: José Palha |
Publicado em: 11-07-2006 12:30:29 (2799 Leituras, Votos 505) |
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