Bombeiros Voluntários de Alcabideche




 

Inferno em França

Pela internet ou pelos telemóveis, a pergunta faz rastilho: “Em Blanc Mesnil já vamos com 20 carros incendiados. E na tua cidade?” É uma espécie de campeonato de França, há uma semana só para as equipas dos subúrbios de Paris, hoje, por todo o país (de Lille, na fronteira com a Bélgica, a Nice, no Mediterrâneo).
No balanço de domingo ultrapassou-se a meta diária dos mil carros (exactamente 1295), um número cuja enormidade pode esconder outra maior. Quando, na sexta, só na região parisiense, foram incendiadas 656 viaturas, uma fonte oficial da polícia disse que isso era nove vezes superior a uma noite normal. Feitas as contas, dá, para “uma noite normal”, mais de 70 carros diariamente destruídos pelo fogo – e assim tem sido nos últimos anos! A única vantagem que têm as rebeliões como hoje a França vive é destapar algo que ardia sem se ver. Um desastre social.

Apesar de se estender por todo o país, a frente de combate principal continua a ser o departamento de Seine-Saint-Denis. A França está dividida em perto de cem departamentos, cada tendo um número que, por exemplo, está nas matrículas dos automóveis dos seus habitantes. Ao de Seine-Saint-Denis coube o n.º 93. Em França, esse é o número dos pobres e dos falhados. Já foi o departamento farol da ‘cintura vermelha’ parisiense, com as suas cidades com presidentes de câmara comunistas, terra operária de pleno emprego. Mas há um quarto de século que é uma zona em crise. A terceira geração, os netos dos imigrantes magrebinos e negros que vieram nos anos 50 e 60 para a indústria automóvel e construção civil, já conheceram os seus pais sem emprego. Aos 18 anos (a idade média dos detidos nas noites incendiárias), passaram por uma escola que não lhes disse nada, não trabalham e já são conhecidos da polícia.

Sobre as cidades do departamento 93 – Clichy-sous-Bois (onde a morte de dois adolescentes que se refugiaram numa cabina de alta tensão, fugindo à polícia, iniciou os actuais confrontos), Aulnay, Epinay-sur-Seine... – é forte o cheiro acre do fogo posto nos contentores de lixo, automóveis, autocarros, escolas, ‘stands’ e armazéns. Violência quase sempre gratuita, feita por gente que quer destruir e não roubar. Mais carros do que contentores – porque quando explode o depósito de gasolina é mais espectacular. No tribunal de Bobigny, onde os primeiros detidos foram expeditamente julgados – todos os acusados de violência sobre agentes de polícia foram condenados a prisão efectiva, de três meses – muitos dos jovens confessaram estar no local para fazer fotos com os seus telemóveis.

O primeiro-ministro Dominique de Villepin e o ministro do Interior Nicolas Sarkozy, que nos primeiros dias da crise pareciam disputar-se (ambos são candidatos a candidato da Direita, para as próximas presidenciais), reconheceram a gravidade dos acontecimentos e fazem agora conjunto monolítico: “Firmeza e justiça”, foi como o governo definiu a sua acção. A primeira, porque é o que há que fazer, tal a extensão dos prejuízos e porque é o que querem os franceses, como confirma a sondagem ontem publicada, que mantém o ministro Sarkozy como o político mais popular, com 60 por cento de opinião favorável. Quanto à segunda, é a vontade política de minar o apoio que os jovens das periferias podem dar à rebelião.

No noite de sábado, em Sevran, em Seine-Saint-Denis, um pelotão de CRS (polícia de intervenção) ouviu o seu tenente definir também palavras de ordem, antes de passarem à acção: “Já sabem como é: firmeza e cortesia!” A primeira, pela ordem natural das coisas. A segunda, para dizer quanto a questão de combater incêndios de carros é política. Isto é, trata-se de conquistar gente.

EU FUI PELAS ESCADAS... EM BUSCA DO SUCESSO

Aulnay-sous-Bois manifestou-se, no sábado, em nome do susto. De várias cidades de Seine-Saint-Denis veio gente e, no contexto incendiário que se vive, escolheu-se como ponto de encontro o quartel de bombeiros. Nos passeios, jovens com o capuz rebatido nas costas gritavam contra Sarkozy. Uma mulher magrebina disse: “Quem põe fogo nos carros não pode ser de cá. Nós somos pobre, como podem dar cabo dos nosso carros?”.

Uma mulher negra disse: “Ontem, apanharam um miúdo de 12 anos com um bidão de gasolina. Como é que os pais não sabiam o que ele fazia?” As duas mulheres estavam perto uma da outra e não sabiam que uma respondia à outra.

Horas depois, em Évreux, cidade de um departamento vizinho, os bombeiros foram chamados para apagar um carro incendiado num mercado. Quando chegaram, um bando de jovens saltou-lhes em cima. Nessa noite, incendiaram-se carros e lojas em Évreux. Na manhã seguinte, no mercado calcinado, uma comerciante branca chorava, dirigindo-se a jovens gozões, com o eterno capuz nas costas: “Parem, por favor, parem!”.

Aziz Senni é filho de Seine-Saint-Denis.

Hoje dirige um empresa de transportes. Acaba de escrever um livro : ‘O Ascensor Social não Funciona, Eu Fui Pelas Escadas’. Título longo, lição ainda maior. Com aquele nome e nestes dias, farta-se de falar na televisão. Perguntam-lhe: por que razão conseguiu ele? E Aziz tem dito: “Porque os meus pais quiseram.”

IMPRENSA RECEIA ATEAR VIOLÊNCIA

Os meios de Comunicação Social franceses não sabem como fazer a cobertura dos distúrbios dos últimos dias, pois temem que a cobertura informativa contribua para agravar a violência.

“O problema é saber quantos minutos de imagens transmitir antes de sermos instrumentalizados”, afirmou um responsável da TV pública France 3. A directora de informação de outro canal lembrou igualmente que “é preciso evitar publicitar acções obviamente condenáveis”.

PROMESSA

Após reunir com o gabinete de crise, o presidente Jacques Chirac promete que repor a ordem vai ser prioridade do governo.

DETENÇÕES

O cerco policial aos jovens revoltosos envolvidos nos distúrbios dos últimos dez dias cifrou-se já em cerca de 800 detenções. Só na última madrugada foram capturadas mais de 300 pessoas.

MEDO CRESCE ENTRE PORTUGUESES

A comunidade portuguesa a viver nos arredores de Paris tem estado calma, mas começa a ter receio dos distúrbios que há dez noites consecutivas semeiam o caos em bairros e cidades da periferia da capital francesa. Em casa, no mercado ou nos cafés, as conversas são pontuadas com expressões de apreensão como “isto está quente”, “não dormi nada de noite” ou “está cada vez mais perto”.

Sílvia, residente em Noisy-le-Grand, contou à Agência Lusa como o marido se deparou com um carro a arder quando ia para o trabalho e afirma: “Nunca tinha visto nada assim”.

Naquela localidade, um pavilhão desportivo com dois mil metros quadrados ardeu por completo esta semana, tendo o fogo alastrado a mais de uma dezena de automóveis estacionados nas imediações. A polícia mobilizou para o local um helicóptero, que nas últimas noites voa sobre todo o bairro, lembrando a todos o perigo que se encontra à espreita.

“Andamos aqui a ganhar para um carro ou um apartamento e eles estragam tudo”, lamenta Vítor, residente em Champigny, bairro onde habitam muitos portugueses.

“CONHECEM OS RESPONSÁVEIS”

Até agora não há notícia de emigrantes lusos envolvidos nos motins, mas Carlos Mendes, empregado do café La Paix, em Villiers-sur-Marne, não tem dúvidas de que há jovens luso-descendentes implicados. “Vêm aqui muitos e eu sei que eles conhecem os que andam metidos nisto”, afirmou.

Cecília, natural de Chaves e vendedora de música e artigos portugueses num mercado, concorda com o empregado de mesa. “Nos bairros onde tem havido problemas há muitos portugueses e ninguém pense que estão isolados em relação aos árabes ou aos negros”, afirmou, frisando que “uma criança que vai à escola com colegas que agora andam a assaltar e queimar carros, faz a mesma coisa”.

Mas para esta emigrante, que deixou Portugal há 36 anos, o que se tem passado nos últimos dias “é normal”. “Cá é um assunto como outro qualquer, todos os dias há disto”, assegura, negando ter medo de sair à rua.

Outros, aos quais o perigo já rondou a porta , pensam de maneira diferente. Nuno Ferreira, de Pombal, viu um ‘cocktail Molotov’ rebentar ao lado do seu carro, em Villiers, e sabe que a sorte não dura sempre. “Estavam a partir os vidros dos carros e a polícia não fazia nada, com medo”, critica.

NOTAS

BLOGUES

Os incendiários usam blogues para se gabar do vandalismo e contar os carros queimados.

ESTADO DE SÍTIO

O alastrar da violência motivou o destacamento de meios excepcionais de segurança.

BOMBAS

Trinta pessoas foram apanhadas a fabricar engenhos incendiários. Foram todas detidas.

EUA ALERTAM

Embaixada dos EUA emitiu um alerta aos turistas para evitarem “zonas afectadas”.

ATAQUES

Jornalistas que cobrem os motins têm sido alvo de alguns ataques por parte dos revoltosos.

ASSOCIAÇÕES

Figuras mais conhecidas de associações desportivas de bairro tentam acalmar ânimos.

APELO EM FÁTIMA

O bispo de Leiria-Fátima, D. Serafim Ferreira, apelou ao combate contra a “marginalização”.
Autor: José Palha Publicado em: 07-11-2005 17:34:13 (4522 Leituras, Votos 1566)
Fonte: CM
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