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Meios humanos insuficientes |
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Dispositivo reduzido para 690 bombeiros com dificuldade em responder a grande número de fogos. |
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Os bombeiros não têm tido mãos a medir nem capacidade de resposta perante o elevado número de incêndios dos últimos três dias. Apesar de a época crítica de fogos ter sido alargada em 15 dias, na chamada Fase Charlie não vão além de 690 os bombeiros disponíveis em permanência, integrados nos grupos de primeira intervenção (GPI). Número que fica muito aquém dos 3.924 da Fase Bravo, em pleno Verão, ou dos 1.160 do período entre 15 de Maio e 30 de Junho.
Duarte Caldeira, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, reconhece que os meios são muito escassos tendo em conta o número de fogos - que ontem causaram pânico sobretudo nos distritos de Coimbra, Viseu e Leiria (ver páginas seguintes). "Não criticamos este dispositivo nem reclamamos mais gente, porque pura e simplesmente não existe mais pessoal", admite. Salienta que foi alterada a organização de GPI, agora numa lógica distrital, de forma a garantir maior mobilidade para compensar a redução de efectivos.
Segundo o dirigente da Liga, "toda a estrutura dos quartéis foi sempre organizada para dar resposta no período de Julho a Setembro". Num ano anormal, com condições agravadas pela seca, "é cada vez mais evidente a necessidade de pensar o dispositivo em termos estruturais e não sazonais, como até aqui". Junto do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, ninguém se mostrou disponível para comentar os meios disponíveis.
Segundo pior ano
A "anormalidade" deste ano mede-se pelos números. Depois dos negros 425 mil hectares de área ardida em 2003, o pior resultado desde que há registos (nos últimos 25 anos) ficava-se pelos 181 mil. Ou seja, 2005 não se limita a ser o segundo pior ano. Distancia-se largamente. Isto porque se estima que a área ardida ultrapasse já os 300 mil hectares. O último relatório publicado pela Direcção-Geral dos Recursos Florestais, na quarta-feira passada, dava já conta de 286 mil.
Na tentativa de encontrar causas, às condições atmosféricas adversas Duarte Caldeira soma a convicção de que se assiste a uma "acção concertada" de incendiarismo. "O que aconteceu no último fim-de-semana foram demasiadas coincidências", afirma, aludindo à simultaneidade de grande número de ignições, em pontos muito dispersos dos mesmos concelhos, "precisamente numa fase em que foi noticiada a redução de meios de combate".
O dirigente da Liga e o porta-voz da Associação Nacional de Municípios Portugueses para a protecção civil, Jaime Marta Soares, convergem na contestação à forma como é divulgado o risco de incêndio por distritos. "Incentiva os incendiários", afirmam.
Duarte Caldeira envia recados às forças policiais. "Perante informação que tenho recolhido, acredito que é preciso ir mais longe na investigação. Estamos perante algo mais do que negligência ou piromania definida como patologia", afirma.
Pedro Carmo, director nacional adjunto da directoria de Coimbra da PJ, responde, de forma cautelosa, "que a Judiciária, quando investiga, admite todos os cenários, não excluindo em nenhum caso motivações que não sejam fúteis". Considera que, se a Liga dispõe de "elementos que suportem as afirmações, com certeza as encaminhará para a PJ". Mostra, por último, números para confirmar um aumento de detenções de suspeitos de autoria de fogo posto florestal. Dos 136 detidos desde o início do ano por autoria de fogo doloso, 96 são em cenário florestal, o que equivale a mais do dobro do total de casos de 2004. Cerca de metade estão em prisão preventiva.
Contudo, o argumento de fogo posto não colhe com facilidade junto de investigadores. Hermínio Botelho, da Universidade de Trás-os-Montes, aponta antes de mais o vento forte de Leste que se faz sentir desde sábado como causa de projecções de faúlhas e acendimentos quase simultâneos.
"Estudo o fenómeno dos incêndios há anos e cada vez mais vejo na negligência a causa primeira". Exemplo de comportamentos de risco são as queimadas, "habituais no final das colheitas e que se vêem todos os dias". Por isso o docente não hesita em sustentar que "a insistência no incendiarismo é a tendência natural para encontrar bodes expiatórios".
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Autor: José Palha |
Publicado em: 04-10-2005 16:32:10 (1901 Leituras, Votos 407) |
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