Bombeiros Voluntários de Alcabideche




 

“Pré-hospitalar em Portugal está doente

Imagine que é pobre e solitário. Imagine que precisa de cuidados médicos que não são de emergência. Imagine que não tem dinheiro para ir ao hospital. Saiba que esta não é uma situação de emergência médica, mas é pré-hospitalar. Pode imaginá-la, mas os bombeiros vivem-na diariamente.
“A solidão, que tanto afecta as pessoas nas áreas rurais como nas urbanas, leva as pessoas, por vezes, a chamar uma ambulância, até só para falar com alguém. Nestes casos, o tripulante de ambulância tem o papel fundamental de acompanhar esta pessoa, ou pelo menos de a ouvir.

Apesar de compreendermos que devia ser outro tipo de técnicos a fazê-lo, o tripulante também tem preparação, e evita a solidão ou até mesmo o suicídio”, afirma o comandante dos Bombeiros Voluntários de Bucelas e presidente da Associação Nacional dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (ANTEPH). Nelson Batista distingue a emergência médica da emergência pré-hospitalar: “Podemos entender a emergência médica como as situações em que existe risco de vida ou da qualidade de vida, e o pré-hospitalar é muito mais abrangente, ou seja, a emergência médica é uma parte do pré-hospitalar, que envolve também o desencarceramento, resgate… Situações que podem não ser de risco de vida, mas existem factores condicionantes em que é necessário intervir para que não se arrisque a vida”. Como exemplo, Nelson Batista descreve a situação de um “alcoolizado que fica inconsciente na via pública. O facto de estar alcoolizado não é um caso de emergência médica, mas ele está em perigo de vida. Pode vomitar e obstruir a via aérea, ou pode fazer hipotermia… Esta pessoa precisa de um socorro pré-hospitalar. É pré-hospitalar. Os bombeiros vão lá e socorrem-no”.

São vários os exemplos que se poderiam dar de situações em que o “Estado se desresponsabiliza, e os bombeiros não deixam estas pessoas na rua”. Muitas vezes suportando o próprio custo da intervenção. Mais uma despesa para as associações, quando os organismos estatais não consideram que se justifique o transporte e quando a pessoa não o pode pagar. Mas, para Nelson Batista, esta “também é uma missão dos corpos de bombeiros, que assim, mais uma vez, vão ao encontro das necessidades da população, quando esta deveria ser uma missão do Estado”.

Emergência médica na ordem do dia

O socorro pré-hospitalar voltou a estar na ordem do dia pela indignação dos bombeiros do distrito de Lisboa com o fax do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) que informava, a 11 de Agosto, que todas as chamadas de emergência médica feitas para os quartéis de bombeiros passariam a ser reencaminhadas para o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM, e só depois eram activados os meios.

O director médico do INEM, Nelson Pereira, realçou que a modificação introduzida visa "garantir a uniformidade do acesso dos utentes a um serviço médico de qualidade desde o início". Por seu lado, os bombeiros não se mostram contra o apoio médico que o INEM possa dar, mas sim contra o tempo que demora a saída do socorro. Porque os bombeiros tomam conhecimento de uma situação, mas não podem sair logo. Têm de aguardar que o INEM, depois de novo contacto telefónico com quem pediu a ambulância, volte a estabelecer ligação com os bombeiros, e só depois os accione ou não para a situação.

Por não concordarem com tal medida “imposta” pelo INEM, os corpos de bombeiros do distrito de Lisboa deixaram de operar as ambulâncias do instituto, ficando o socorro assegurado pelas viaturas dos bombeiros.

Muitas queixas

Por causa dos desentendimentos com o INEM, também as ambulâncias do INEM nos corpos de bombeiros do distrito de Santarém ficaram inoperacionais.

Temos de fugir muitas vezes à frente dos populares”, afirma o adjunto de comando José Carlos Pereira, dos Bombeiros Voluntários de Torres Novas, que soma relatórios elaborados pelos “homens no terreno”. Muitos deles concluem que “há perda de tempo desde a chamada até que nos comuniquem a activação da ambulância. Nalgumas situações, demora mais de 20 minutos”, explica José Carlos Pereira, dando o exemplo “de um homem que caiu em frente ao quartel, e demorou-se mais de 10 minutos a activar a ambulância”.

O atraso na activação dos meios sente-se também no Algarve e os “bombeiros são muitas vezes insultados pela população quando chegam ao local”, afirma o comandante dos Bombeiros Voluntários de Lagoa. Rio Alves dá um exemplo muito recente: “Os bombeiros saíram de imediato para uma situação a 200 metros do quartel e foram insultados. Nós não demoramos muito tempo desde que a chamada caiu no quartel até à chegada da ambulância, mas passou muito tempo desde a chamada para o 112 até ao momento em que nos telefonaram”. Rio Alves afirma não compreender “estas demoras” e alerta para outra situação: “Os corpos de bombeiros pagam aos seus funcionários, que frequentam o curso de tripulantes de ambulância de socorro, e depois de estes terem o curso e o estágio feito, são aliciados para trabalharem para o INEM. A nós, já nos levaram um, e além de perdermos um tripulante que nos custou caro a formar, ainda nos deparamos com a desestabilização que isso gera junto dos outros tripulantes, que querem ganhar tanto como o INEM paga. Nós é que não podemos. Aconteceu-nos a nós e a várias corporações aqui no Algarve”.

Insultos também os ouve Cristina Almeida, profissional dos Bombeiros Voluntários de Bucelas, no distrito de Lisboa. “Não faz sentido podermos sair de imediato, e o INEM não nos deixar sem que antes tenham feito uma triagem”. A revolta é maior “porque nós até temos conhecimentos para fazer sair meios”. Segundo Cristina Almeida, “a demora faz com que as pessoas se revoltem contra o pessoal que vai ao local”. A tripulante de ambulância de socorro condena também “alguns operadores do CODU, que, não sei que tipo de formação têm, por vezes nem a linguagem técnica sabem interpretar”. A tripulante exemplifica com o caso “de uma senhora com problemas cardiovasculares, já nossa conhecida, que o INEM achou que não justificava o envio de uma ambulância de socorro, e, por isso, mandou avançar uma de transporte. Os meus colegas, ao depararem com uma situação de paragem cardiorespiratória, telefonaram para a ambulância de socorro e nós avançámos. Do CODU, em vez de estarem preocupados com a situação da vítima, preocuparam-se mais em saber porque é que a viatura tinha ido para o local. Se a triagem tivesse sido bem feita, poderia ter sido diferente… A senhora faleceu”.

Outra situação que envolveu uma morte, no dia 10 de Setembro, é descrita pelo comandante dos Bombeiros Voluntários de Constância: “Recebemos (…) um pedido de auxílio para um senhor que estaria com graves problemas: dor forte no peito, falta de ar e a desmaiar. O nosso operador, apercebendo-se da gravidade da situação, despachou de imediato uma ambulância de socorro, informando o CODU da situação, fornecendo os dados para contacto (…). À chegada, os nossos tripulantes passaram os dados de um homem em paragem e solicitaram apoio. Espanto dos espantos, os nossos tripulantes de ambulância de socorro recebem como resposta não ser necessário apoio, e que deveriam transportar o senhor ao Hospital de Abrantes, informando a central dos bombeiros de que não era atribuído o numero CODU, por não justificar o socorro”. Adelino Lourenço Gomes informou o presidente do INEM “que, mesmo com o profissionalismo e a capacidade técnica dos nossos bombeiros, o senhor viria a falecer já às portas do hospital”.
Dificuldades de comunicação

As dificuldades de comunicação com INEM são apontadas por vários dos bombeiros contactados. No nordeste do País, Humberto Martins, presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito de Bragança e da Associação dos Bombeiros Voluntários de Vinhais, reclama que “há muitas demoras e recusas em passar a chamada aos bombeiros”. Neste caso, a situação agrava-se porque os meios do distrito são activados pelo CODU Porto, cujos operadores, “por vezes, não têm conhecimentos geográficos, o que leva a enganos frequentes nas moradas”.

Problema, que segundo José Carlos Pereira, se justifica pelo “INEM funcionar com moradas e freguesias, o que poderá ser útil em Lisboa, que é uma só localidade, mas em freguesias com várias localidades e com ruas com o mesmo nome, é complicado”. O adjunto de comando de Torres Novas dá o exemplo de um caso em que os bombeiros foram para uma rua de uma localidade, e como não houve nenhuma ocorrência pensaram que se tratara de uma chamada falsa e regressaram à unidade. Duas horas depois ligaram novamente, porque a vítima ainda os esperava, na mesma rua, na mesma freguesia, mas numa localidade diferente. E estas “situações não são raras. Troca de moradas – sobretudo a confusão que fazem entre Torres Novas e Torres Vedras –, é por demais”.

A insatisfação de José Carlos Pereira cresce ainda com a activação da viatura médica de emergência e reanimação (VMER): “A dois minutos do hospital, mandaram-nos aguardar pela viatura médica, que estava em Abrantes, a 50 quilómetros de distância. Tivemos de esperar que chegasse, mas o senhor acabou por falecer”.

A VMER de Bragança muito raramente vai a Vinhais, afirma Humberto Martins. O que vale é que os bombeiros do distrito de Bragança souberam apetrechar-se bem com meios para o socorro pré-hospitalar”.

Também no Alentejo é difícil contar com o apoio de um médico no local.

No distrito de Beja, Názario Viana, comandante dos Bombeiros Voluntários de Odemira, afirma que, “apoio médico, só de Portimão ou de Setúbal, e muito raramente vem”. No entanto, podem contar com as viaturas tripuladas por enfermeiros do Hospital de Beja e do Centro de Saúde de Ourique. “O INEM dá-nos o apoio que está no protocolo; o problema no socorro pré-hospitalar na nossa zona de intervenção é a distância entre a sede de concelho e os outros locais onde temos de prestar socorro. Só temos uma ambulância do INEM e outra de reserva, e o concelho é muito grande: tem 1723 quilómetros quadrados, com uma costa de 55 quilómetros de praia e ravinas. Há locais onde demora perto de uma hora a chegar”.

As grandes distâncias também são sentidas no distrito de Évora e “apoio da VMER nunca houve”, conta António Manuel, comandante dos Bombeiros Voluntários de Arraiolos. Neste distrito, “só Vendas Novas é que tem apoio do CODU de Setúbal. As chamadas para o 112 caem na PSP e são transferidas para os corpos de bombeiros”.

CODUS nos CNOS

As distâncias dos CODU ou a inexistência deles em certos distritos leva Nélio Gomes, delegado do Serviço Municipal de Protecção Civil de Alcobaça, 2º comandante dos Bombeiros de Pataias e tesoureiro da Federação dos Bombeiros do Distrito de Leiria, a interrogar: “Se já existe uma estrutura de socorro, porque não melhorá-la, em vez de se gastar mais dinheiro a criar outra?”
Nélio Gomes tem também a solução: “A linha 112 poderia ser instalada nos Centros Distritais de Operações de Socorro (CDOS).

Logo, estaria mais próxima da ocorrência, uma vez que teria âmbito distrital e não regional, e evitava-se que passasse pela PSP, ganhando tempo. Menor número de chamadas, menos confusão, melhor gestão de recursos humanos, técnicos e materiais, bem como monetários. Um médico em cada CDOS e um no Centro Nacional de Operações de Socorro asseguravam a gestão da emergência médica em todo o País”.

O desejo é partilhado pelo presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. Duarte Caldeira exige que a reestruturação anunciada para o Serviço Nacional de Bombeiros contemple "centrais integradas de emergência" que incluam o INEM.

Privatização?

Esta poderá ser uma das soluções para a “cura” da emergência pré-hospitalar, porque, segundo Nelson Batista, e repetindo o que disse nas últimas jornadas da ANTEPH, a “emergência pré-hospitalar em Portugal está doente, principalmente a emergência médica, devido à falta de bom-senso. Nós sabemos que a cura existe; haja boa vontade para a aplicar”.

Cura que “passa pela especialização dos tripulantes e sua profissionalização nos corpos bombeiros, pela definição dos critérios da triagem, para que todos saibam quais são, e por um serviço público real que garanta o socorro às populações, independentemente de terem ou não posses para o pagar”.

A cura não passará por algo que, cada vez mais, se ouve – a privatização da emergência médica em Portugal? Rui Rama da Silva, presidente da Direcção dos Bombeiros Voluntários de Cascais, diz que foram “lançadas suspeitas sobre isso. Eu não tenho qualquer preconceito em relação à privatização, mas então sejam honestos e digam claramente que pretendem privatizar a emergência médica”.

“Cem por cento contra a privatização do socorro em Portugal” está Nelson Batista. O comandante e presidente da ANTEPH diz que “isso seria passarmos de um patamar humanitário para um patamar meramente económico. A solução passa por nos organizarmos. Quer os bombeiros, quer o INEM”.

Autor: José Palha Publicado em: 21-09-2005 17:27:27 (2261 Leituras, Votos 439)
Fonte: Trabalho de João Paulo Teixeira, publicado na ínte
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