Bombeiros Voluntários de Alcabideche




 

Porque (ainda) arde Portugal?

Sabia que as autarquias raramente cumprem a lei que as obriga a limpar o mato cem metros em redor das aldeias e cidades? E que não existe qualquer obrigação de reflorestar uma área queimada? Ou que as imagens de fogos na TV podem provocar os incendiários? Não há uma razão para todos os anos o País arder. Há várias
Que papel tem o ordenamento do território na dimensão dos incêndios?
O desordenamento da nossa floresta é o grande responsável pelo caos que se vive todos os anos. A teimosia dos proprietários florestais em investir em monoculturas, de pinheiro ou de eucalipto, é um primeiro passo para a tragédia sazonal. Por exemplo, entrecortar um pinhal com sobreiros funcionaria como uma barreira natural à propagação do fogo. Outro culpado é a desertificação do Interior, deixando milhares de pequenas propriedades ao abandono, onde o mato cresce sem controlo e serve para alimentar o fogo. O facto de a propriedade portuguesa ser maioritariamente composta por minifúndio ajuda, simultaneamente, a diminuir o interesse económico dos terrenos e a aumentar os custos com a sua limpeza e ordenamento. Também não é fácil para o Estado resolver o problema, já que 84% do território está distribuído por quase meio milhão de proprietários. Uma das soluções seria a administração central ou as autarquias encarregarem-se da limpeza dos matos e mandarem a factura aos proprietários. Ou criar um mecanismo legal que obrigue ao ordenamento eficaz dos terrenos sob pena, em última instância, de expropriação. Mas mesmo isto não é simples – falta um cadastro florestal do País (todos os anos prometido e sempre adiado pelos sucessivos governos) para se saber eficazmente a quem pertence cada propriedade.

Onde está a falhar a prevenção? Que medidas legais não são cumpridas?
Depois de várias dezenas de casas completamente destruídas, é óbvio que a mais básica das regras não está a ser cumprida: a obrigação de os proprietários limparem os terrenos num raio de 50 metros à volta das habitações. Mas as câmaras municipais também não estão isentas de culpa – e não apenas por falharem na fiscalização destes casos. Uma lei publicada em 2004 diz que as autarquias devem manter limpos cem metros em redor das zonas industriais e dos perímetros urbanos, norma que raramente é levada a sério.

O problema podia ficar resolvido com a simples limpeza dos matos?
É particularmente preocupante observar a quantidade de mato com mais de dois metros de altura que se encontra à solta por essa floresta fora. As árvores que o rodeiam são bombas-relógio sensíveis à mínima fagulha. A limpeza destas áreas é prioritária e essencial para dificultar a vida ao fogo. Mas simplesmente cortar os matos não chega: teria de se remover também a matéria morta (que arde ainda melhor do que a viva). Acontece que a biomassa tem um papel importante na fertilização dos solos – se se retirasse todo o mato, a terra perderia nutrientes e, em casos extremos, ficaria estéril. O ideal é usar destroçadores (em tractores, por exemplo), que desfazem a vegetação. Se o procedimento for feito no Inverno, essa biomassa mistura-se ainda melhor com a terra.

Quais são as obrigações de reflorestação após um fogo?
Nenhumas. A prática habitual entre os proprietários privados é aguardar pela regeneração natural de solos e espécies, que muitas vezes crescem de forma desordenada, com mato a desenvolver-se sem controlo.

Qual é a importância económica da floresta?
O sector florestal é responsável por 3,2% do Produto Interno Bruto do País (e 12% do PIB industrial) e cerca de 11% das nossas exportações. Estima-se que a floresta represente ainda 260 mil postos de trabalho, directos ou indirectos.

Quem mais perde com os fogos?
Além dos proprietários dos terrenos e das casas, várias empresas têm enormes prejuízos com os incêndios. As seguradoras estão no topo da lista. Em 2003, quando arderam mais de 400 mil hectares de floresta e mato, o sector teve de pagar 9,7 milhões de euros em indemnizações. Se a proporção se mantiver, a factura deste ano já ultrapassará os três milhões de euros. As empresas de telecomunicações, a Rede Eléctrica Nacional e as estações de televisão são também largamente prejudicadas, com a queima de cabos, postes e antenas. Só a PT, até meados deste mês, já teve mais de 7 mil postes e 630 quilómetros de cabos destruídos.

E alguém ganha?
Todos os verões, quando o País se transforma numa imensa lareira, os dedos são rapidamente apontados aos interesses por detrás dos fogos. Os suspeitos do costume são os madeireiros. A verdade é que estes ganham num primeiro momento e perdem num segundo: compram madeira a preços de pânico (as árvores queimadas têm de ser cortadas rapidamente, antes de apodrecerem), mas a escassez da matéria-prima, no futuro, leva ao aumento dos preços. Mesmo assim, a balança tem tendência para pender a seu favor. Por outro lado, os gastos milionários com a contratação de meios aéreos torna este sector outro ganhador. Claro que se, este ano, não houvesse muitos fogos, no próximo o Estado poderia cortar nas verbas para a contratação destes serviços.

Existe algum mecanismo na lei que proíba que se faça negócio com os fogos florestais?
Segundo o Decreto-Lei 34/99 de 5 de Fevereiro, durante o prazo de dez anos a contar da data da ocorrência do incêndio, fica proibida a realização de novas construções ou a demolição de quaisquer edificações; não poderão ser revistas ou alteradas as disposições dos planos municipais de ordenamento do território ou elaborar-se novos instrumentos de planeamento territorial, por forma a permitir-se a sua ocupação urbanística. Mas, mais uma vez, a ausência de um cadastro florestal torna muito difícil controlar o cumprimento da lei. Por outro lado, o Despacho Normativo 63/04, de 22 de Março, aprova o regulamento de apoios provisórios – na forma de subsídios não reembolsáveis – a produtores de madeira e cortiça ardida e outros, de maneira a poderem colocar os seus produtos no mercado.

A maior parte dos fogos florestais é provocada ou trata-se apenas de acidentes?
Este ano, a Polícia Judiciária já abriu 635 inquéritos por suspeitas de crime de fogo posto que resultaram na detenção de cem pessoas. Os motivos que os incendiários apresentam são habitualmente fúteis e a maioria não tem cadastro criminal. Mas um estudo da Direcção-Geral dos Recursos Florestais concluiu que a negligência (durante a renovação de pastagens) foi responsável, em 2002, por 39% dos fogos florestais. Os foguetes e as beatas de cigarro mal apagadas são outras fontes comuns.

Até que ponto as imagens televisivas de incêndios provocam os incendiários?
Essas imagens podem, segundo especialistas, acordar comportamentos adormecidos em pessoas com perturbações mais acentuadas. E num estudo de 2003, organizado pelo Gabinete de Psicologia do Instituto de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, ficou claro que o perfil dos incendiários é bastante vulnerável. Nas entrevistas, alguns deles confessaram ter ajudado os bombeiros a combater as chamas que haviam ateado, ou que simplesmente ficavam no local a assistir ao «espectáculo».

Que efeitos terão os incêndios no futuro?
A curto prazo, aumenta o risco de inundações e deslizamentos de terras: sem vegetação nas encostas, a chuva não é retida com facilidade. Esses sedimentos podem também afectar a qualidade da água. Outro efeito, menos visível mas não menos preocupante, são as quantidades de dióxido de carbono (o principal gás com efeito de estufa) que o fumo dos fogos expele para a atmosfera, complicando ainda mais o cumprimento do Protocolo de Quioto. Além de que o papel das florestas como sumidouro de dióxido de carbono é também afectado. Más notícias para um país que já ultrapassou a quota que deveria cumprir e que, por isso, corre o risco de pagar milhões de euros em multas ou direitos de emissão.

Este é o pior ano de incêndios dos últimos tempos?
Nem de perto. Até agora, arderam cerca de 140 mil hectares de floresta. Há dois anos, os fogos devastaram o triplo – 425 mil hectares. A época de incêndios ainda está longe do fim, mas não é de prever que os números se aproximem sequer dos de 2003. Mesmo assim, até 14 de Agosto (últimos dados disponíveis), 2005 está acima da média, comparando com o mesmo período dos outros anos: com a desonrosa excepção de 2003, desde 1998 que o País não ardia com esta violência. E, a este ritmo, é muito provável que a área ardida se torne mesmo na segunda maior dos últimos 13 anos.
Autor: José Palha Publicado em: 10-09-2005 19:28:52 (2548 Leituras, Votos 492)
Fonte: Luís Ribeiro e Ricardo Fonseca / VISÃO nº 651 2
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