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Calar o fogo? |
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A ideia de suavizar as reportagens dos incêndios, removendo destas as chamas, que passariam a ser só filmadas à distância, é mais um exemplo de uma situação em que os políticos, ameaçados na legitimidade, reagem contra o mensageiro. |
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Se agora foi Francisco Louçã a dizer o que Sevinate Pinto já propusera, isso só mostra como o reflexo se generaliza depressa. Assumindo, como sempre, que "lá fora" é assim. Ignoro se é, mas sei que as chamas em close-up, um must das reportagens portuguesas, passam nos seríssimos Euronews e BBC. É plausível que a televisão inspire incendiários, como já se disse que havia quem ateasse fogos só para ver os aviões. O problema é que se está a desviar as atenções da mensagem para o mensageiro.
Este ano, como em 2003, não saberíamos que as coisas são assim sem as reportagens que captam esses momentos de angústia. A eventual influência negativa de mostrar os fogos na televisão é um pormenor ao pé disto. E acredito que essa influência se manterá com chamas filmadas mais de perto ou mais de longe.
O problema na televisão é o mesmo de sempre. Sim, dedica tempo de mais ao tema que está a dar. Há repórteres que se excedem, mas este ano vi mais exemplos de trabalhos sóbrios. Sim, é preciso pouco para os telejornais escreverem "o País está a arder". Nunca se consegue perceber, na televisão, se este ano o País está a arder mais do que no passado.
Mas também é verdade que quem monitoriza as áreas ardidas não acerta na dimensão da destruição, como este jornal revelou há semanas. Não há catástrofe que mude os hábitos de secretismo das instituições. E ficamos sempre com a impressão de que o problema dos bombeiros não é a coragem, mas a tradicional desorganização portuguesa.
Com todos os defeitos que tenha, a televisão disse o que está a acontecer. As instituições e os poderes teriam preferido o recato. É esta sociedade opaca do silêncio, onde os pequenos interesses nunca perdem o norte, que permite a inércia política, cujos efeitos a televisão mostra de forma brutal. Não vale a pena calar as chamas de uma maneira ou de outra, as ruínas no interior acabarão sempre por vir ao de cima. |
Autor: José Palha |
Publicado em: 29-08-2005 15:47:14 (1740 Leituras, Votos 1255) |
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