|
|
|
Seguros não cobrem riscos que bombeiros enfrentam |
|
Só 40% dos acidentados conseguem que as companhias paguem a totalidade da reabilitação |
|
|
Naquele sábado, Isaac Costa estava no quartel dos Bombeiros Voluntários de Matosinhos-Leça quando foi dado o alerta. \"Começaram a gritar que a refinaria da Petrogal estava a arder\", lembra.
A tarde de 31 de Julho de 2004 jamais lhe sairá da cabeça. Nem do corpo. Cicatrizes nas duas pernas, consequências de queimaduras de segundo grau, serão, sempre, recordação amarga de um acidente, que arrancou muitas promessas e poucas soluções.
Aos 26 anos, o aspirante a bombeiro espera o exame final que lhe dará galões de terceira categoria. O sonho de ser polícia ficou para trás. Mantém o trabalho de vigilante sentado a uma secretária. As mazelas limitam, incomodam. \"Mas o que dói mais é sentir-me abandonado, sem respostas, usado\", diz.
O problema de Isaac Costa não é único. Os bombeiros prestam socorro em troca de ajudas insuficientes caso lhes aconteça algo de grave.
Um estudo da Liga Portuguesa de Bombeiros diz que só 40% dos acidentados conseguem que as companhias de seguros paguem a totalidade das despesas de tratamento e de reabilitação. A alguns, o Fundo de Protecção Social do Bombeiros dá resposta. Mas a grande maioria continua a ser voluntário com mazelas e sofrimento por falta de informação, por desânimo ou porque quem é responsável não assume os seus deveres.
São as câmaras que pagam os prémios dos seguros das corporações que estão sob a sua jurisdição. Fazem-no conforme estipula a lei os assalariados são beneficiários de seguros de acidentes de trabalho, os outros só têm seguros de acidentes pessoais.
As coberturas são, geralmente, idênticas: cerca de 75 mil euros por morte ou invalidez permanente e pouco mais de sete mil euros para despesas de tratamento. Mercê de um acordo celebrado com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) também é quase sempre a mesma a companhia de seguros escolhida.
Diz Artur Trindade, secretário-geral da ANMP, que \"as câmaras fazem o que a lei ordena\", apesar de admitir que \"os prémios podem ser superiores se assim se entender\". \"Os municípios deixaram de ter apoio do Estado. Mesmo assim, assumem os seguros porque respeitam o trabalho feito pelos cerca de 30 mil bombeiros voluntários. Admito que os valores estipulados para os seguros têm de ser melhorados. O que não admito é que haja bombeiros que se sintam penalizados na sua reabilitação. Os seguros são pagos para isso\", declarou.
\"A falta de informação leva a que muitos bombeiros desistam de lutar pela sua reabilitação e desvalorizem mazelas que, mais tarde, trarão problemas. Os valores dos prémios dos seguros são insuficientes, ficam aquém do que moralmente deveria ser pago, mas têm de assegurar a reabilitação dos voluntários. O Fundo de Protecção Social pode ajudar, é certo. No entanto, há que rever a questão dos seguros e pensar num serviço de saúde específico para os bombeiros\", defende Duarte Caldeira, presidente da Liga Portuguesa dos Bombeiros.
\"O que se passa, também, é que há uma certa desumanidade nas corporações que tratam os bombeiros como soldados numa guerra e não como pessoas. As associações são escolas de cidadania, estão voltadas para o exterior, mas é preciso que, quem comanda, saiba olhar para dentro\", acrescenta.
Isaac Costa queixa-se, exactamente, de não estar a ser \"tratado como uma pessoa\". O silêncio que tem tido como resposta à falta de soluções para o seu problema (ler caixilho) fá-lo pensar em recorrer para os tribunais. A razão para esse silêncio, porém, não foi dada ao JN pelo presidente da direcção dos bombeiros de Matosinhos-Leça, Joaquim Oliveira. Estava incontactável, segundo uma fonte, que apenas informou que o processo estava \"com a Câmara\". A Câmara, pela voz do vereador Guilherme Pinto, diz que será o Fundo de Protecção Social que assumirá as despesas de reabilitaçãode Issac Costa. E que está atento para que não haja injustiça.
Ir em socorro de alguém sem pensar que há perigo
\"Ninguém pensa em perigo quando sai de um quartel em socorro de alguém. E ninguém deixa de ser voluntário quando recupera\". A afirmação do presidente da Liga Portuguesa de Bombeiros, Duarte Caldeira, é comprovada pela postura de Isaac Costa . Mesmo depois de \"ter ficado com as pernas cozidas\" quando ajudava no incêndio do terminal petrolífero do porto de Leixões, continua a ir todos os dias ao quartel de Matosinhos-Leça e a prestar assistência quando é preciso. \"Se a corporação não me quiser, não deixarei de ser bombeiro. Procurarei sempre alguma que me queira\", garante, recusando a sina traçada pela companhia de seguros de não ter direito a fisioterapia, a cirurgia plástica, a reconhecer incapacidade física quando admite sequelas do acidente. \"Tudo me foi negado em nome de um plafond esgotado de um prémio de seguro para acidentes pessoais. Sei que as despesas hospitalares foram parcialmente pagas. Receio que me seja exigido o que falta pagar. Mas ninguém me dá informações, explicações. \" Isaac Costa esteve internado dois meses no Hospital de S. João, no Porto, foi três vezes operado e já fez alguns enxertos. Perdeu massa muscular, sofreu \"dores horríveis\", teve pesadelos. O seu caso não é único. Só entre 15 de Maio e 11 de Julho deste ano, registaram-se dois mortos e 216 feridos.
|
Autor: José Palha |
Publicado em: 17-07-2005 (5908 Leituras, Votos 359) |
|
|
|
|