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Afogar o Inferno com o Diabo lá dentro |
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Em países com grandes extensões desabitadas, como os EUA, Rússia ou Austrália, a destruição causada pelos incêndios atinge, frequentemente, não milhares mas milhões de hectares, destruindo parques naturais ou reservas ambientais de natureza quase intocada, em zonas remotas de difícil acesso.
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O Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, viu, em 1988, 36% da sua área reduzida a cinzas (321 mil hectares), mas o total afectado pelo fogo atingiu os 486 mil hectares, sem contar as zonas vizinhas do parque. Só em 2000, os fogos florestais consumiram nos Estados Unidos três milhões de hectares e em 2002 mais de 2,8 milhões.
Assim, não é de admirar que a sensação de impotência leve a equacionar novas maneiras de abordar o problema, em complemento dos métodos tradicionais. Para grandes males, grandes remédios, diz o ditado... Com esse espírito, a empresa norte-americana Evergreen Aviation adaptou um Boeing 747, o conhecido Jumbo, ao combate a incêndios. Ainda em fase de testes, o Evergreen Supertanker, de sua graça, pode despejar sobre um fogo 90 000 litros de água ou calda retardante numa extensão de três quilómetros! Com jeito, \"quase\" poderia afogar o Inferno, com o Diabo lá dentro! Ao pé dele, os \"miseráveis\" 6000 litros do Canadair mais moderno são \"trocos\".
Aos que contestam o potencial do gigante para a nova tarefa, a Evergreen afirma que já efectuou testes a 120 e até a 90 metros de altitude, salientando embora que para uma eficácia e precisão máximas o mais adequado são 240 metros. Jordan Hanson, da Evergreen Aviation, disse ao DN que o objectivo da empresa é formar uma frota de Supertankers capaz de operar em qualquer parte do mundo.
O Supertanker tem, porém, detractores. William Kauffman, engenheiro aerospacial e professor na Universidade do Michigan, afirma que o Boeing 747 tem uma estrutura flexível concebida para voar a 10 000 metros de altitude e não a 120 metros de distância do calor infernal e turbulência provocados por um incêndio florestal.
Em vez do Supertanker da Evergreen, Kauffman defende um outro gigante já com provas dadas em situações operacionais reais. Trata-se do russo Ilyushin Il-76, mais robusto, concebido originalmente como avião militar de transporte de tropas. Na lista de designações dadas pela NATO aos aviões da ex-URSS, calhou ao Il-76 a alcunha de Candid. Muito adequadamente, a sua última versão pode despejar \"candidamente\" 57 000 mil litros sobre um incêndio. Coisa \"modesta\", que, mesmo não afogando o Diabo, o deixaria provavelmente com água pelo pescoço. Depois de esvaziar os tanques, o Il-76 reabastece de água e descola para nova missão em 15 minutos.
Os Il-76 apagam fogos há anos na Rússia e também já o fizeram na Austrália, Grécia e Turquia. Um enorme incêndio numa refinaria turca, provocado por um terramoto, em Agosto de 1999, permaneceu incontrolado durante uma semana, apesar de combatido por bombeiros turcos e alemães. Na sequência de um pedido do Ministério do Interior turco, dois Il-76 enviados para o local apagaram o fogo em menos de uma hora.
A Rússia disponibilizou dois Il-76 ao nosso país durante os fogos de 2003, mas Portugal declinou a oferta. Os custos de utilização foram um dos motivos invocados para essa recusa 27 715 euros para a mobilização do aparelho, mais 4300 por cada hora de voo, de acordo com informação do SNBPC. Note--se que, na mesma altura, a hora de voo extra de um Canadair, com 5000 litros de capacidade, era de 3000 euros.
Operado fora da Rússia pela Global Emergency Response (GER), o Il-76 tenta desde 1994 penetrar no mercado norte-americano de combate a incêndios, mas o sistema nos EUA é semelhante ao português e os meios são na sua maioria alugados a empresas privadas. Essas empresas usam quase exclusivamente aviões de abastecimento em terra, alguns ainda da Segunda Guerra Mundial, e helicópteros. Apesar das provas dadas e dos apoios conseguidos, inclusive a nível do Congresso, o lobby que apoia o Il-76 foi até agora incapaz de vencer os interesses instalados, havendo mesmo indícios de pressões norte-americanas bem sucedidas sobre países que equacionaram a utilização do Il-76. Como curiosidade, refira-se que Arnold \"Terminator\" Schwarzenegger manifestou recentemente abertura em relação a uma possível utilização do Il-76 no estado de que é governador, a Califórnia.
A GER é uma associação sui generis entre a empresa norte-americana Air Routing International Corporation, a canadiana Total Corporate Aviation Services, o Ministério para as Situações de Emergência da Rússia e a Ilyushin.
Para apreciar o Supertanker, sugerimos ao leitor o site http//www.evergreenaviation.com/supertanker/. Entre de imediato no \"espírito\" da coisa, com a visualização do \"Operations Video\". \"Navegue\" à vontade, mas tenha cuidado, não se afogue! Para o Il-76, o caminho é http//www.desastres.org/waterbomber/. As precauções são as mesmas.
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Autor: José Palha |
Publicado em: 09-06-2005 (1667 Leituras, Votos 287) |
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